Capitulo 1
BRASIL
RECIFE
20
de fevereiro de 1712
Fazenda
São Bartolomeu
O
sol da tarde estava cada
vez mais quente, faltavam ainda algumas horas para o sol se pôr, e amainar o
calor que naquela hora estava forte. A plantação de milho tomava uma grande
parte da fazenda, o verde se misturava com os pequenos pendões que começavam a
surgir por entre os pés do milharal. Aqui e ali podia se ver pequenos clarões. Apesar
de que a maior parte das terras da fazenda era de plantação de cana de açúcar.
Mas um terço de terra que fazia divisa com a floresta nativa era de plantação
de milho.
Trinta
escravos estavam divididos em pequenos grupos, cada um com uma enxada capinava
o mato. Não se ouvia nenhuma palavra deles, cada um, envolto em seus
pensamentos e com saudade de suas terras no outro lado do continente. A maioria
dos homens estava sem camisa. O sol brilhava em suas espáduas negras e nuas, ao
sol causticante. Não muito distante, um homem com um chapéu de abas largas
tomava água em uma botija. De suas costas pendia uma espingarda. Ele era o Feitor.
O poderoso que tomava conta de todos os escravos da fazenda. Ele colocou a
botija de volta em seu cavalo.
Quando
se virou, um pequeno rapaz que não passava de 15 anos estava parado com uma
enxada apoiada em seus braços. Estava cansado. Começara bem antes do nascer do
sol, e a fome lhe apertava o estomago.
--
O que você quer?-- Perguntou rispidamente, quando o viu perto dele.
--
Eu estou com sede meu sinhô. Dê-me um pouco de água, por favor.
--
Dane-se! Suma da minha frente! – E dizendo isso lhe deu um chute nas costas. –
Volte a trabalhar seu miserável vagabundo. Você acha que a comida é de graça?
--
Estou com sede. Com mui... Ta se... De – Falou gaguejando.
--
Desgraçado! Você é teimoso mesmo ou é surdo? -- Ele pegou um chicote brandiu no
ar. O chicote deu um estalo e acertou-o nas costas. No mesmo instante, dois
vergões apareceram em suas costas nuas. O rapaz trincou os dentes e dobrou-se
de dor, deixando a enxada cair de lado.
--
Aiiiii! – Gritou de dor.
--
Vou lhe dar outra coça, se não sair daqui logo! – Disse, apontando com o cabo
do chicote de couro cru.
--
A minha água acabou... -- Insistiu o escravo.
--
Eu já lhe disse pra desaparecer da minha frente!
Ameaçou
o Feitor, pronto a lhe dar outra chicotada.
--
Perdoe patrãozinho... Não me bata mais. Eu... Estou com sede.
Não
terminou de falar. Só escutou o estalar do chicote em seu peito, jogando-o para trás.
--
Cala a sua boca seu porco! Vamos ver quem é que manda aqui, seu cachorro
teimoso.
Os
outros escravos que estavam capinando pararam para ver o rapaz ser castigado
pelo feitor.
--
E vocês! – Disse olhando para os outros escravos que estavam parados. -- Pararam
por quê? Querem ir para o tronco também? – Severino! – Gritou alto. – Quando um
homem gordo e mal encarado chegou perto dele. O feitor ordenou: Fique no meu
lugar. E depois leve a negrada pra senzala.
--
Tá bem. – Falou Severino estufando o peito, com ar de autoridade. – Vamos
trabalhar seus vagabundos! Agora a coisa é comigo, – falou arrogante.
Severino
se sentia importante. Quando de vez ou outra, ficava com a incumbência de tomar
conta dos escravos no eito.
Todos
voltaram ao trabalho, alguns ainda olhavam de soslaio. Gostavam demais do Azekel.
Jovem forte, dócil e calmo.
O
Feitor pegou uma corda, enlaçou as duas mãos do escravo e o puxou com violência
para perto do seu cavalo, e obedeceu sem reclamar. O medo e a dor tomavam conta
dele agora. – Vou lhe colocar no pelourinho e arrancar a sua pele no chicote.
Assim você vai aprender a me obedecer. – Olhou para o rapaz com a roupa rasgada
e molhada de sangue, e disse entre dentes: -- Negros imundos!
Em
seguida, atou a outra ponta da corda no estribo da cela e depois de montar saiu
em pequeno galope. O escravo tentava acompanhar o trote do cavalo com
dificuldade. De vez em quando tropeçava aqui e ali em alguma touceira de mato
no caminho. Lágrimas escorriam de seu rosto. Mais nada importava agora, o importante
era tentar acompanhar o feitor e viver... Se possível.
Azekel
em alguns momentos era arrastado. Estava cansado, seus cortes sangravam,
escorrendo pelo seu peito nu. Ele estava com medo. Medo de morrer, e medo dos
açoites que com certeza teria. Seria castigado por tão pouco, mas isso era
natural no engenho. Como uma ovelha muda ele seguia tropeçando, fazendo o possível
para não cair. Com toda certeza o Feitor não iria esperar levantar-se, ele
seria arrastado até o pátio.
Olhou
para o horizonte e viu o milharal em pendões. Milharal que ele e os outros
escravos ajudaram a plantar, de sol a sol. E agora ele era arrastado para a
morte. Morte? Não queria pensar nisso. Seu pensamento voltou-se para sua mãe,
sempre ela lhe aconselhava nunca responder a seus senhores, seus donos. Mas ele
sabia que não fizera nada disso. “Com certeza ela vai sofrer junto comigo”. Pensou.
“Mãe.
Me perdoe! Me perdoe!” Pensou.
O
cavalo seguia em trotes na estrada empoeirada. Azekel olhou o feitor sentado na
sela, nem olhava para trás, para saber em que condições estava. O Feitor
detestava os negros. Para ele morto ou
vivo não importava. Só tinha o cuidado para não matá-lo longe da fazenda. O
Sinhô não queria ter prejuízo com a morte de um escravo. Mas, sabia que
escravos não passavam de peças de venda ou troca. Vivo tinha valor, morto seria
jogado em uma vala e pronto, ou enterrado nos cemitério dos negros.
O
seu senhor era proprietário de 60 escravos na fazenda. Mas já teve vezes de
possuir até 150, na época de safra. A fazenda por ser grande tinha três
feitores e um feitor-mor que era o encarregado geral.
Azekel
era jovem e forte apesar da pouca idade. Viera junto com a sua mãe em um navio
negreiro da África, há muito tempo atrás. Fora a sua mãe que chamara a atenção
do seu Sinhô. Ela era alta, pele negra e brilhante, seus braços fortes e
musculosos e dentes perfeitos. Todos esses atributos fizeram o seu valor subir
mais do que o normal por uma escrava. Mas o seu Sinhô não se importou com o
preço. A queria na sua fazenda. O seu filho iria compensar o preço alto e lhe
traria lucros futuros. Para troca ou venda. Mas a má administração fez a
fazenda falir. E teve que vender toda propriedade para saldar as dívidas.
Depois, seu senhor voltou para Portugal... Ele...
Na
casa grande, o Coronel Almeida Gonçalves Almeria de Alcântara tomava um licor
de pitanga, depois de um almoço com seus amigos vizinhos. Vieram combinar as
novas divisas de terra, empréstimos de escravos. E sobre o navio com novas
“peças”, que estava pra chegar ao porto de Olinda.
--
Amigos. Cada dia que passa, mais me dou conta, de que a melhor coisa que fiz em
minha fazenda, foi plantar cana de açúcar e milho. – Ele disse, dando uma
baforada num charuto. -- Essas duas culturas me ajudaram muito. Desde a época
em que o meu pai estava vivo eu lhe dei essa ideia. – O coronel Almeida levantou-se
e foi até a janela. -- O meu pai, vocês se recordam... Ele era conservador ao
extremo. Não aceitava mudanças. Se uma coisa estava dando certo, ele persistia,
mesmo que viesse a dar com os burros n’água. Estamos passando por um tempo em
que devemos renovar sempre.
--
Eu concordo com você Almeida – Disse coronel Afonso arqueando as sobrancelhas e
olhando para os outros amigos.
--
Você pode até estar certo, Almeida. Mas eu procurei fazer só plantação de
cana... Por enquanto, a mão de obra está saindo muito cara para todos nós.
Porém acredito que, daqui a uns dois anos, o preço vai cair. Então será mais
lucrativo. – Comentou o Coronel Aguiar de Souza Abrantes com as pernas cruzadas
e calça de linho importado da França. Ele era o mais velho do grupo.
--
Sabe amigos, futuramente farei isso na próxima safra... Pensei muito sobre esse
assunto. O milho pode ser vendido e até ajudar a alimentar a negrada boçal.
Completou o Coronel Assis de Aleimar, ajeitando-se melhor na cadeira a sua gordura
que saia pelas suas calças e o cinto fazendo um esforço terrível para segurar
toda massa do seu corpo. – Tem muitas fazendas no Rio de Janeiro que estão
plantando café e algodão.
--
Bem lembrado Assis. O que vocês acham de plantação de algodão? – Perguntou
Coronel Afonso Ribeiro, acendendo o seu charuto. E depois dando uma baforada
para o alto de fumaça.
Todos
se olharam, e o primeiro a falar foi o Coronel Almeida, o mais novo deles.
--
Acho que a temperatura daqui de Pernambuco não ajuda. É muito quente. No sul o
clima é mais propício. Além do mais, a terra ajuda também.
--
Concordo, -- disse Coronel Aguiar. -- O mais difícil meus amigos são os
escravos. Cada dia que passa, eles estão
nos dando mais trabalho de insubordinação. E com essa onda de quilombos
espalhados por aí... Não tem uma fazenda que não esteja reclamando de fugas.
--
Acho que são apenas boatos. Não devemos nos preocupar com isso. – Disse coronel
Almeida.
--
Também acho Almeida. Com relação à insubordinação, na semana passada, eu tive
que degolar uns três, pra dar respeito. -- Disse o Coronel Afonso. -- E aqui em
seu engenho Almeida? Muitas revoltas?
--
Aqui em minha fazenda isso de revolta não existe. Só uns poucos cabeças
duras... mas nada que dificulte. É só colocá-los no tronco. Aplicar algumas
chibatadas e umas dez chicotadas e tudo está resolvido. E se souber fazer, os
outros ficam com medo e vão lhe obedecer... Amigos! Negros não têm que falar
nada, ou obedece ou morre. São ralés, e ralés devem ser tratadas como são. –
Falou o coronel Almeida alisando seu vasto bigode.
Os
outros senhores de engenho souberam por outros fazendeiros, que os escravos do
engenho do coronel Almeida tinham algumas regalias. E ficaram chateados quando
souberam disso. O motivo de estarem naquele almoço, era para confirmarem o que
ouviram. Ou se eram mais boatos.
Foi
quando ouviram uma algazarra no pátio, em frente ao casarão.
--
Que algazarra é essa Almeida? – perguntou Aguiar, ficando de pé.
Os
outros se levantaram, arrastando as cadeiras.
--
Não sei... Vamos ver. – Falou levantando-se e dirigindo-se à porta. – Venham
comigo.
Todos
os seguiram de perto.
O
barulho era grande, por causa das mulheres chorando e os cães latindo em volta
do escravo que era agora arrastado pelo feitor. Quando chegou perto do tronco
do pelourinho, ele parou o cavalo, desceu devagar, e viu quando o seu sinhô
chegou à varanda, junto com seus amigos.
Azekel
estava caído ainda com as mãos amarradas. Todo sujo e enlameado.
O
feitor foi até a entrada da varanda e tirou o chapéu da cabeça em sinal de respeito,
para dar satisfação ao seu sinhô.
--
O que aconteceu Tonho? (O seu nome era Antônio).
--
Aquele miserável me desobedeceu na frente de todos os outros. Ele se recusou a
ir trabalhar. Se eu permitir isso os outros farão o mesmo.
Coronel
Almeida pensou um pouco e alisou o seu bigode. Olhou o feitor e disse:
--
Está certo. Quem é? – Perguntou olhando no tronco um escravo caído de costas.
Os
amigos do Coronel estavam ao lado, vendo a cena com curiosidade.
--
O Azekel coronel. – O feitor respondeu prontamente.
--
O Azekel? Tem certeza disso?
--
Sim sinhô.
O
coronel teve um pequeno sobressalto. Conhecia e muito bem o escravo, tinha
certa afeição por ele, assim como por sua mãe.
--
O Azekel? Eu tinha uns planos pra ele. Desgraçado! Coloque-o no pelourinho
agora! E já sabe o que fazer. Faça dele um exemplo, – falou contrariado.
--
Uso o chicote?
--
Só o açoite.
--
Quantas chibatadas?
--
Dez.
--
Está bem. Sinhô. – concordou o feitor balançando a cabeça.
--
Espere, Tonho! Melhor 15 chibatadas!
Disse
isso sem nenhuma emoção. Até com um pouco de amargura. Gostava do rapaz. Mas
não podia admitir insubordinação. Se seus amigos não estivessem ali... Até
poderia relevar, mas não agora.
--
Está certo meu sinhô. Assim será feito.
O
Feitor virou-se em direção ao escravo caído, com o peito em carne viva. Estava
sorrindo. Ganhara mais um ponto com o patrão. Iria caprichar no castigo.
Na
cozinha do casarão, uma mulher estava com uma panela nas mãos, terminando de
enxaguar.
--
Faizah! Faizah! – entrou uma negra quase sem fôlego gritando em plenos pulmões.
A
Faizah deixou a panela de lado e foi ter com a amiga Lindiwe.
--
Fala logo mulher. O que foi?
--
Calma. Calma... O Anekel... Pegaram o Azekel!
O
coração da Faizah bateu agora descompassado. Ela tirou o avental jogando em
cima da mesa.
--
O Azekel? Como o meu Azekel?! Não acredito.
--
Sim. Ele mesmo.
As
outras cativas chegaram mais perto.
--
O que aconteceu com ele? Fala logo mulher. – Faizah balançou a amiga.
--
Ele está no... pelourinho. – E a escrava começou a chorar.
--
Não acredito! Não acredito nisso! Não o meu Azekel! Deus... Ajude-o. Queira
Deus que isso não seja verdade! – Exclamou Faizah com o coração aos pulos,
inconformada.
Ela
deu a volta no casarão pelos fundos, e viu uma roda de escravos que foram
obrigados a assistirem o castigo.
No
centro do pátio, estava um tronco de pedra com argolas... e nele Anekel preso,
e manietado pelos pés e mãos. Na frente, o Feitor estava com uma chibata de
coro de boi curtido. As costas do negro estavam um lanho por causa dele ter
sido arrastado. Já era a nona chibatada. O sinhô mandou ele lhe aplicar quinze
chibatadas. Quando Faizah viu o filho naquele estado correu até ele, e uma
chibatada pegou em suas costas.
--
Perdão feitor! Perdão! – gritou chorando. – Não faça isso. É o meu filho!
O
feitor lhe deu um chute na barriga. Mesmo ela sendo forte, caiu a alguns metros.
--
Fora, sua vagabunda! Ou você também irá pro tronco. – E antes que ela pudesse
levantar-se tomou uma chibatada nas pernas. Faizah fez uma careta de dor. Os
outros escravos só assistiam, não podiam fazer nada, porque poderiam ser até
mortos se interviessem.
Ela
se arrastou e o escravo que estava mais perto a ajudou a levantar-se. Faizah
entre lágrimas e dor, viu o seu sinhô na varanda com seus amigos. Num arremeto
de coragem, correu até eles cambaleando.
Quando chegou à escada ela implorou de cabeça baixa. Tinha quase certeza
de que o seu sinhô lhe ajudaria. Já conversaram muitas vezes, e parecia que ele
lhe tinha algum respeito.
--
Meu sinhô... Ajude o meu filho, por favor. – Implorou humildemente.
O
Coronel Almeida Alcântara, não queria ficar em descaso com seus amigos. Estavam
lhe observando como o coronel Almeida iria solucionar esse problema. E poderiam
ter outro conceito contra ele, e seus métodos de tratamento com os seus
escravos. O coronel Almeida, teria que tomar uma atitude, mesmo contra a sua
vontade. Não seria fácil. Ele tinha grande consideração por Faizah. Ela e seu
filho eram os únicos no meio de tantos escravos que sabiam ler.
--
Sua negra suja. O seu filho desobedeceu a uma ordem, e você vem implorar a mim?
– Olhou o feitor ao longe e gritou. -- Feitor! – Sua voz saiu entrecortada.
Faizah
não acreditava no que estava ouvindo.
--
Pois não, Coronel.
--
Coloque essa miserável também no tronco como exemplo. E lhe dê cinco
chibatadas. Depois a solte na senzala. O outro escravo, – continuou. -- Quero
que o deixe amarrado a noite toda. Sem
comida e nada de água.
--
Sim sinhô.
Faizah
não disse nada para não piorar ainda mais. Ela colocou as mãos no rosto pra
conter as lágrimas. Olhou para o coronel e seus olhos se cruzaram por alguns
segundos.
O
Feitor a pegou pelos cabelos e saiu arrastando-a até o pelourinho. Amarrou com
a outra ponta da corda e puxou a sua blusa de pano de saco, rasgando na parte
de cima, mostrando suas costas, e lhe aplicou cinco chibatadas, deixando-as com
vergões profundos.
Faizah
como era forte, aguentou o castigo trincando os dentes. Os outros escravos
foram obrigados a assistirem toda tortura. Era para ser um exemplo.
--
Levem esse lixo daqui! Agora! -- Gritou o Feitor-mor estalando o chicote no ar.
Três
escravos saíram correndo de onde estavam, e se prontificaram a cumprir a ordem,
antes que ele escolhesse mais um para espancar.
Pegaram-na em nos braços e outro nas pernas e a levaram pra senzala.
Depois
que terminou a tortura, o Feitor-mor estava cansado. Enrolou a chibata e o
chicote e colocou no cavalo que estava sendo segurado por um escravo serviçal.
--
Depois eu volto seu imundo! E vou acabar com a sua raça. Seus cães imundos!
Subiu
no cavalo e se dirigiu à casa dos empregados que eram livres. Enquanto que Azekel estava desmaiado com as
chibatadas, somadas à sede. Seu corpo pendia com os punhos amarrados numa corda
no pelourinho. Não escutou nada, saía sangue de um de seus ouvidos.
Os
amigos do coronel Almeida, voltaram para dentro da casa grande, para terminarem
os negócios de compra e venda de escravos. E sobre o escoamento do açúcar
produzido.
--
É assim mesmo que se faz Almeida. Se fosse eu, já mataria os dois pra que eles
me respeitassem muito mais.
Comentou
o Coronel Assis, soltando um palavrão. Ele odiava os escravos. Dizia que um
escravo bom era, quando dava lucro com sua venda, ou então estivesse morto.
--
Eu perderia muito dinheiro com a morte dos dois escravos meus amigos. –
Respondeu o coronel Almeida.
--
Ele parece ser forte... Está lhe causando problemas Almeida? – Perguntou o
Coronel Aguiar.
--
Não... Eles nunca causaram nenhum problema. A mãe dele vale muito para mim... Porque
me pergunta isso? – Respondeu o coronel Almeida com outra pergunta. Seus
pensamentos estavam em como a Faizah se encontrava.
--
Se quiser vendê-los eu compro os dois e pago bem. – Disse o coronel Aguiar,
alisando o seu bigode branco. Sabia que a escrava tinha valor. Ela era letrada
e bonita.
--
Eu também quero comprar os dois. – Adiantou-se o coronel Afonso Ribeiro terminando
de apagar o charuto num cinzeiro de madeira. O valor que o Aguiar oferecer...
Eu dobro.
--
Esqueçam. Esses dois escravos, são os melhores que eu tenho. Não os vendo por
dinheiro nenhum. E mais uma coisa amigos. Aqui não é nenhum leilão.
--
Estranho você falar isso. Ele não estava no pelourinho?
--
Não é porque eles estavam sendo castigados, signifique que os queira vender. A propósito...
Na minha propriedade, eu respondo pelas minhas atitudes. E as que eu achar
conveniente. Não concordam? – falou em um tom desafiador.
--
Está certo. Não era a minha intenção ofendê-lo, Almeida. – Sinto muito se você
achou isso.
--
E nem eu. Desculpe-me se eu não me expressei bem.
--
Você está certo. Desculpe-nos o inconveniente. – falou o coronel Aguiar.
O
coronel Almeida abanou as mãos, dando por encerrada a discução.
Um
escravo estava parado no umbral da porta à espera de alguma ordem, ou pedido
deles.
--Mas
voltando ao assunto em questão. Não... Não está a venda. – reafirmou. -- Ele é
novo e ainda posso ter muitos lucros com sua venda. – Disse mudando o tom de
conversa. Os outros notaram que o coronel estava ficando aborrecido. E por fim
tudo voltara, a paz e a amizade.
Uma
hora depois de acertarem uns pontos de venda, e troca de escravos...
--
Está bem... Meus amigos, eu vou indo que está ficando tarde. Eu não quero atravessar
a ponte no escuro. Nunca se sabe... As chuvas estão pra chegar. – Disse.
--
Eu também vou indo com você. – Atalhou Coronel Afonso.
Meia
hora depois de se despedirem, tudo voltara ao normal.
--
Almeida o que aconteceu? Falaram-me que era o Azekel. Eu não acreditei. Ele é
uma pessoa dócil e amável.
Perguntou
Rosalina irmã do Coronel Almeida, que morava no Rio de Janeiro e que fora
passar uns dias na fazenda. Os dois sobrinhos chegaram até ele e o abraçaram.
Estavam na sala de biblioteca.
O
coronel Almeida olhou para a irmã e respondeu:
--
O desgraçado desobedeceu ao feitor. E isso é inaceitável em se tratando de um
escravo. Se eu não tomar providências um dia serão eles que vão mandar aqui.
--
E... a Faizah? Ela é uma pessoa admirável.
A Rosalina adorava conversar com ela.
--
Veio me implorar na frente dos meus amigos. Teve o que merecia. Deveria ser
pior. Na próxima vez que isso acontecer, a levo para o leilão a vendo ou troco
por outra serviçal.
--
Não acredito que fez isso... Ela é a melhor escrava que você tem Almeida. E
você sabe que eu tenho amizade com ela... É a melhor escrava da fazenda... Como
você pode?
Rosalina
olhava para Almeida em sinal de desaprovação.
--
Porque não? Ela é uma escrava como outra qualquer. – Disse limpando a garganta.
-- Só porque tem estudo não quer dizer que seja melhor do que outros. Ela não
tem nada de especial... Vou vendê-la, isso sim. – falou resoluto.
--
Não posso crer que eu ouvi isso de você. Era o meu pai... E agora você.
--
Quem manda aqui, sou eu. Gostando ou não. Tá vendo aquela porta? – Apontou. Foi
por onde você entrou...
Estava
sentado em um sofá e virou-se se ajeitando melhor.
--
Você não deveria fazer isso com ela. É por isso que eu detesto ficar na
fazenda. Essas injustiças... me enojam e me
envergonham.
--
Cale a sua boca Rosalina. Se achar que está ruim... Nada está lhe impedindo de voltar
para o Rio de Janeiro. Já lhe mostrei a porta.
--
Amanhã farei isso mesmo. Você sabe muito bem que ela ajudava meus filhos. Os
seus sobrinhos. Ela conhece mais da vida do que você.
--
Por isso mesmo... A escrava já estava convencendo você e colocando ideias em
sua cabeça oca. E já se achando alguém. E antes de um pássaro voar a gente tem
que cortar suas asas... Dizia o nosso pai.
--
Você está parecendo papai. Saí daqui porque dele. E farei isso com você. –
Quando Rosalina estava chegando à porta, ela virou-se e disse: -- E por isso
que é solteirão... Nenhuma mulher lhe quer. Seu estúpido!
--
Sabe... Pensando bem. É melhor você ir embora hoje mesmo, – disse
levantando-se.
Ficou
olhando pela janela uns escravos que varriam em volta da casa grande.
--
Se não tivesse escurecendo eu iria com certeza. Mas amanhã cedo, quero estar
longe desse inferno. Isso aqui fede.
--
Adeus! – gritou coronel Almeida, enquanto ela subia as escadas.
--
Nunca mais eu voltarei aqui! – Rosalina gritou enfurecida.
E
dizendo isso, deu meia volta, puxando os filhos para os aposentos na parte
superior da casa grande.
Estava
escurecendo, e começava a dar os primeiros pingos de chuva. A água a bater na
terra ressequida levantava pontos de poeira, e o cheiro de terra molhada
invadia o ar. No tronco, Azekel despertou com a chuva a lhe bater nas costas.
Eram como golpes de faca nos vergões, mas ao mesmo tempo aliviava a dor que
sentia na alma. Aos poucos foi se recobrando. Um de seus olhos estava fechado
devido ao coro do chicote que pegara de raspão na sua testa. Ficou em pé com dificuldade e amparou com as
mãos a água da chuva que caia e colocou na boca aos poucos. Seus lábios estavam
rachados por causa da sede e do sol causticante do dia. Azekel não sentiu quando a água foi colocada
em sua boca. A chuva foi aumentando e ele tomou a água que caia como uma
cachoeira do céu. Estava com fome. Desde aquela manhã que não comia nada.
Gostava de trabalhar no milharal, porque pegava as espigas ainda novas e comia
escondido do feitor. Depois enterrava com a enxada. Mas agora estava com muita
fome.
--
“Minha mãe... Minha mãe!” -- Disse em voz baixa. Como a senhora está mãe?”
A
última coisa que lembrava, era ela sendo açoitada ao seu lado. Depois disso não
se lembrava de mais nada. Olhou para a senzala e viu pouca luz de algum
candeeiro. Resolveu sentar-se na lama. Agora, a chuva tinha aumentado, e aos
poucos ia refrescando o seu corpo.
Um
trovão cortou o céu, iluminando todo o pátio. Azekel olhou para a senzala, parecia
que tinha visto uma sombra se esgueirando. E vinha em sua direção. Quem seria o
louco para fazer isso?
Prestou
mais atenção.
Sim.
Era um homem e parecia...
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