Capitulo 5
Rafiki
era de media
estatura, casado com a Saúda. Tinha dois filhos. Estava no quilombo a mais de
três anos. O pequeno quilombo tinha apenas seis famílias escondidos no meio da
mata. Quase impossível de ser localizado para quem não conhecesse o local. Ficava
entre umas montanhas de pedras e um profundo cânion. A passagem para a entrada
do quilombo era estreita, o que dificultava ser localizado para alguém que
nunca tivesse ido até ali pela primeira vez. Só seria fácil se algum morador
levasse a pessoa pela primeira vez. Fora isso...
Rafike
e Saúda encontraram o local por acaso, ele fora o primeiro a chegar e depois
vieram as outras famílias.
Num
dia em que fora pescar encontrou três famílias de escravos escondidas no meio da
mata. Tinha mulheres e crianças e homens. Aproveitaram que o seu sinhô tinha
ido fazer um tratamento em Olinda e aproveitaram a ocasião ideal para todos
fugirem. Rafiki os levou para onde estavam junto com sua esposa e seus dois
filhos. O começo fora difícil, mais depois que viera os outros homens tudo
ficara mais fácil, construíram casas de madeira e viviam uma boa vida se não
confortável... Aceitáveis poderiam dizer assim. No principio teve que lutar com
os índios da região, até que os índios os deixaram em paz e viviam em comum
acordo.
Viviam
das caças, que era muitas na região, da pesca e plantações que faziam. A maior
parte das ferramentas conseguira por outras famílias que trouxeram dos engenhos
e que conseguiam as escondidas das fazendas.
A
sua casa de pau a pique ficava no alto, onde tinha uma visão privilegiada de
todo o vale e do quilombo. E na frente de sua casa tinha um terreiro grande
onde seus filhos brincavam com liberdade.
Tinha
saudade de sua terra, de sua aldeia na África. Mais não podia fazer nada sobre
isso. Ficava do outro lado das grandes águas, onde o sol se punha. Mais não
reclamava. Pior fora os anos que passara como escravo no engenho, açoitado pelo
Sinhô a cada dois dias como diversão. Os cães eram mais bem tratados do que ele.
Até que numa noite resolveu fugir, ele e sua esposa. No começo achou que seriam
pegos e mortos, mais com o passar dos dias iam cada vez mais pra longe do
engenho e no final ficaram sossegados quando encontraram aquele lugar escondido
entre as pedras. Na época eram só ele e a sua esposa, o que facilitou a fuga.
Depois vieram os seus dois filhos. Que nasceram no quilombo.
--
Toma cuidado Rafiki. Não vá tão longe com o barco. Você não precisa ir caçar
distante do quilombo. Temos muita caça aqui perto.
Disse
Saúda. Ela ficava sempre aflita quando ele ia caçar.
--
Voltarei pela manhã querida, – respondeu.
Rafike
estava armado com um facão, arco e flechas nas costas. Das suas mãos tinha uma
lança afiada envenenada com uma ponta de bambu.
Os
últimos raios do por do sol despontavam na linha do horizonte. Mas do lado
oeste estava mais escuro, com nuvens carregadas. Quando Rafiki se despediu da
esposa, seguiu por alguns metros na entrada de pedra do quilombo, e depois se
embrenhou na mata.
Toda semana Rafiki ia caçar capivara, porco do
mato, alguma jaguatirica, ou qualquer outro animal que estivesse ao seu alcance
e servisse de alimento. Geralmente ia com algum amigo, mais dessa vez, ninguém
estava disponível e ele resolveu ir só.
O
temor de Rafiki, sempre fora dar de encontro com algum capitão do mato que lhe
encontrasse e fosse caçado como um animal. Fora isso, nada lhe dava temor. Nem
os índios da região, porque há tantos anos que morava ali no quilombo muitas
tribos já os conheciam.
Rafiki
depois de andar pela mata uns dez minutos chegou ao rio, foi até uma moita onde
guardava uma garité. Entrou colocando as armas no fundo da canoa, e com um remo
resolveu subir o rio, sempre era melhor subir vazio do que com caça. De repente
começara a chover. Uma chuva fina que depois foi aumentando cada vez mais. Ele
ia com a canoa margeando o rio. Foi subindo por mais de uma hora, lento e
devagar. E a chuva intermitente caia em suas costas. Já que estava tão longe
não ia desistir. Parecia que alguma coisa o levava para frente, como se alguém
estivesse dizendo ao seu ouvido parar ele não parar.
--
Não foi uma boa ideia sair hoje, – disse em voz alta. Olhou para o alto e viu
que as nuvens pesadas estavam passando. – Não vai demorar prá essa chuva. Menos
mal.
Parecia
que tinha escutado perto dele uma voz dizendo: -- “Segue em frente”. Não pare!
Ele
olhou em volta. Nada, era só água.
--
Agora dei pra eu ouvir coisas? Estou ficando velho, – disse baixinho.
Minutos
depois a chuva foi parando, e parando, até parar de vez. Ele amarrou a canoa em
uma árvore e entrou na mata, conhecia aquela parte da floresta. Não gostava
porque ficava a poucos kilometros da estrada, e era perigoso encontrar algum
capitão do mato que estivesse à captura de algum escravo.
Mais
aquela voz foi o levara até ali.
Ele
desceu da canoa e foi seguindo a pé, só com a lança em punho. Deixando o arco e
flecha dentro da igarité.
Fazia
tempo que não ia para aquele lado da mata. Todo cuidado era pouco. Quando
Rafiki dobrou uma grande Sumauna os seus ouvidos captaram um farfalhar de
galhos. Ele tinha ótima audição e isso facilitava a sua caça, e até perigos
eminentes. Ficou com a lança em posição de ataque. De repente viu um porco do
mato a poucos metros de onde estava. Rafiki levantou a lança devagar e mirou, quando
o animal ficou de lado, ele atirou com toda sua força na direção do animal.
A
lança cravou perto do pescoço do porco do mato, que caiu num baque surdo,
minuto depois o animal parou de tremer quando o veneno entrou em suas veias.
--
Ótimo! – disse num sorriso. – Não vou voltar sem nada.
Foi
até o animal e tirou a lança com um puxão. Com um cipó ele amarrou o porco
pelas patas. O animal era grande e pesado, mais ele com um esforço colocou em
suas costas. Resolveu levar a caça na canoa e depois voltar ou subir mais um
pouco o rio. Quando chegou à igarité o rio tinha enchido, a correnteza estava
forte por causa da chuva que tinha sido maior, bem distante de onde ele se
encontrava.
--
O único jeito é esperar baixar um pouco. – Falou colocando o porco do mato no
fundo da canoa. E voltou a sentar-se perto de uma árvore, se protegendo da
chuva que agora engrossara.
De
repente, escutou bem distante quase imperceptível um barulho de tropel de
cavalos que era trazido pelos ventos.
--
Parecem cascos de cavalos... Vou sair daqui agora mesmo. – Disse levantando-se.
Quando
estava indo pra canoa um barulho de galhos quebrados lhe chamou a atenção.
Parou tentando escutar melhor. Era um barulho ensurdecedor de galhos sendo quebrados
e parecia um corpo caindo, trazendo lama e galhos que encontrava pelo caminho.
Rafike
resolveu averiguar o que estava ocorrendo. A poucos metros de onde estava viu
um corpo de um homem. Ele estava caído, e desacordado, escondido entre as
folhagens, misturado com lama e galhos. Era um negro. Com certeza deveria ser
um escravo em fuga. Não sabia como ele
tinha ido parar ali perto, e ainda mais desacordado. Viu o barranco alto e
supôs que tivesse escorregado quando empreendera a fuga. Colocou as mãos em seu pescoço e notou que
estava vivo, seu corpo estava quente. Deveria ter fugido de algum engenho, e se
ele estava fugindo, com certeza estavam na sua captura. Tinha que sair o mais
rápido dali.
--
Ainda bem que a noite vai nos ajudar, meu amigo. Você deu sorte de me encontrar
por aqui.
Falou
Rafiki, limpando as folhas no corpo do escravo.
Tentou
levanta-lo e não conseguiu. Depois o arrastou para perto de uma árvore, e bateu
de leve em seu rosto, tentando desacorda-lo, mais nada, continuava desmaiado.
--
Ei amigo acorde, – falou balançando os seus braços. Foi até o rio e pegou um
pouco de água em uma folha e jogou em seu rosto. Kodiambo despertou do desmaio.
--
Onde estou? Quem é você? – Perguntou tentando ficar em pé com dificuldade. E
caindo nas folhas secas.
--
Calma! Sou amigo. Encontrei-lhe aqui.
--
Onde está o capitão do mato?
--
Não tem ninguém aqui... Ainda. Mais com certeza vai nos encontrar se não
sairmos daqui o mais rápido possível. Para nossa sorte é noite ainda, e está
bem escuro.
--
Tem razão. Muito obrigado... – Ele caiu sentado outra vez. –... Não estou tendo
força... Em minhas pernas.
--
Vamos. Eu ti ajudo. – Rafiki colocou um braço em volta de seu ombro e foram
caminhando devagar para a igarité.
De
repente eles escutaram vozes trazidas pelo vendo, não estavam longe.
--
Temos que sair daqui amigo – Falou Kodiambo.
--
Sim. Vamos.
Meia
hora depois Rafiki alcançou o local que deixara a igarité escondida na
vegetação, o ponto de referencia era uma grande árvore que se estendia com seus
galhos até a metade do rio, logo depois vinha uma cachoeira, se alguém se
aventurasse pro ali e não a percebesse, só a veria quando estivesse já em cima
e era sem retorno. Com mais de 15 metros de altura, se alguma canoa caísse ali,
seus ocupantes quebrariam seus pescoços. Ele puxou a canoa para margem. E
colocou Kodiambo em uma ponta, e a caça no meio da canoa. Depois pulou dentro,
e com o remo deixou a correnteza os levar.
--
Ei! Olá amigo! – gritou Rafiki. Amigavelmente.
Kodiambo
voltou a desmaiar.
Uma
hora depois estava aportando perto de umas árvores perto do quilombo. Rafiki
jogou água em seu rosto e Kodiambo mexeu com os braços, depois, balançou a
cabeça de um lado para outro. Estava ainda meio zonzo.
--
Até que enfim você acordou amigo. – Disse Rafiki com um sorriso.
Kodiambo
retribuiu o sorriso.
Olhou
em volta e para o Rafiki e disse:
--
Muito obrigado por ter me salvo.
--
Não tem problema irmão. Sei que você faria o mesmo por mim.
--
Fiquei muito tempo desmaiado? – perguntou passando a mão na cabeça onde tinha
um calombo.
--
Por mais tempo do que necessário. Mais agora você estará salvo.
--
Onde estou? Perguntou Kodiambo olhando em volta. Não conseguira ver nada, só
água do rio e muitas árvores.
--
Daqui a pouco estaremos em nossa pequena aldeia.
--
Quilombo dos Palmares?
--
Não. Não existe apenas o quilombo dos Palmares. Existem muitos outros com
nossos irmãos que estão escondem quando fogem dos engenhos. Qual é o seu nome?
--
Kodiambo. E você?
--
Rafiki.
--
A minha cabeça, dói muito.
Depois
que Rafiki viu melhor a cabeça do Kodiambo.
--
Você ficou com um corte feio, perdeu muito sangue. Foi por isso que desmaiou.
Fique aqui. Vou chamar uns amigos do quilombo e vai nos ajudar.
--
É seguro?
--
Com toda certeza. Volto já.
Não
demorou muito e Rafiki voltou com dois outros negros altos e fortes.
--
Olá. Tudo bem?
--
Sim... Mais ou menos. Um pouco quebrado.
--
Vamos lá. Ajudo-lhe a levantar.
Minutos
depois estava deitado em uma esteira na casa do Rafiki, sendo cuidado pela
Saúda.
--
Rafiki. Quero lhe agradecer com todo coração por ter me salvo.
--
Não se preocupe Kodiambo. Aqui você vai ter uma nova vida em liberdade. Não tem
nada a agradecer. Somos todos irmãos.
Um
vento balançou uma esteira que era usada como cortina, feita pelas mãos ágeis
de Saúda. Parecia como se algumas pessoas tivessem passado por ali naquele
momento.
O
sol começara a nascer.
***
O
coronel parou o tropel de cavalos quando viu o burro.
--
Ele se embrenhou por aqui. Procurem por ele em todos os lugares. Agora com o
sol vai ficar mais fácil encontrar o boçal.
Não
demorou muito e um capitão do mato gritou:
--
Achei por onde ele passou. – disse exultante.
Todos
foram ter com ele.
Viram
por onde Kodiambo escorregou e caiu pelo barranco.
--
Vejam! – mostrou o capitão do mato.
--
Mais tem vestígios de só um escravo coronel. – Falou Tonho, olhando com mais
atenção.
--
Se pegarmos um, pegaremos os outros.
Com
a luz do sol já alto, descobriram por onde Kodiambo escorregou na mata.
Seguiram
devagar pela mata, por onde ele desceu.
--
Olhe. Aqui ele parou... Ei tem mais uma pessoa. – o capitão do mato mostrou
outras pisadas.
--
Serão os outros?
--
Não... Eram apenas dois. – Falou um dos caçadores.
Seguiram
todos os rastros e terminava na beira do rio, que tinha aumentado a correnteza
por causa da chuva.
--
Acho que tiveram ajuda de alguém. Olhem os rastros, foram por aqui.
--
Subiram ou desceram o rio?
--
Impossível dizer coronel. – Falou Tonho.
--
É. Podem até ter atravessado para o outro lado.
--
O perdemos!
--
Boçal desgraçado! Vamos voltar pra fazenda, e depois vocês, -- apontou dois
capitães do mato. -- Quero que recomecem a caçada. Agora com o dia vai
facilitar.
--
Nós vamos encontrá-los coronel.
Uma
semana continuavam procurando.
Duas semanas.
Três semanas.
Um mês e nada. Até que por fim, desistiram de
procurar os escravos. Mesmo o coronel tendo dobrado o valor pela captura deles.
Todas as buscas seguiram-se infrutíferas.
O
coronel Almeida ficou conformado, mais não admitiu a perda de quatro escravos,
fortes novos... Era uma perda de valores consideráveis. Tinha pagado um preço
alto por eles. Tudo bem que vieram com a compra da fazenda do coronel José.
Mais não fora fácil. Tudo isso o fez ficar mais violento e irascível com todos
da casa grande. Só andava com um chicote dobrado em sua cintura. As cativas que
trabalhavam dentro da casa grande sofriam a duras penas, principalmente quando
ele ficava alterado por ter bebido aguardente.
O
coronel estava sóbrio. Sentado na varanda com dois amigos que sempre o vinha
visitar, principalmente quando souberam do ocorrido.
--
Aguiar, você não imagina como os desgraçados que fugiram foram longe. Foram
ousados, ao ponto de até entrarem em minha dispensa, levarem meus mantimentos. Mataram
um dos empregados e sabe-se lá mais o que levaram. Sem comentar o roubo da
carroça. Foram na direção da sua fazenda.
--
Não passaram por lá. Quando eu recebi o seu aviso, eu dei um alarma e os meus empregados
revistaram toda região... E nada.
--
Eu sei Aguiar. Mais, não sei em que buraco eles se enfiaram. A escrava que
fugiu era muito esperta estavam com eles. Tenho absoluta certeza de que foi ela
que arquitetou tudo isso.
--
Foi aquela que você mandou dar chibatadas quando estivemos aqui?
--
A letrada?
--
Ela mesma.
--
Eu queria comprar eles se lembra? – disse coronel Afonso.
--
Isso não importa agora Afonso. Ainda posso encontrar eles.
O
coronel tinha certeza de que a Faizah estava por trás de tudo aquilo.
--
Como conseguiram fazer tudo isso? Os escravos são boçais. Não tem estudo são
ignorantes... – Ia falando Aguiar.
--
Mais não esses. – Falou apontando um dedo para o coronel Afonso. -- A negra
tinha estudo sim. Ela era especial. Alfabetizada e inteligente. Ela já estudava
no país dela. Essa escrava dava estudos até para os escravos, sem contar que
ajudavam nas lições de meus dois sobrinhos.
O
coronel Aguiar arqueou as sobrancelhas, enquanto acendia um charuto.
--
Sério isso? – perguntou sem acreditar.
--
Sim com toda certeza meus amigos. Ela veio junto com o seu filho, e mais uns
escravos quando adquirimos a fazenda do coronel José. O outro escravo era bem
esperto, o tal de Mongo estava aqui desde a época de meu pai.
--
Eu lembro-me bem disso.
--
Mais... Essa cativa... Ela era livre no país dela? – Perguntou Afonso curioso:
--
Não sei. Só sei dizer de que ela era uma escrava diferente. – Falou pensativo.
--
Isso é um caso raríssimo meu amigo. – Falou o coronel Afonso Ribeiro. – As
coisas estão mudando. Imagine você Aguiar. Um escravo letrado. Nunca pensei
nessa hipótese algum dia de minha vida, que viesse a ocorrer.
--
Sabe o que eu faço com os meus escravos Almeida. Uma coisa que eu não vi aqui
com os seus. Cada escravo eu faço a minha marca em suas coxas, se fugirem para
cidade eu os reconheço. Evito mesmo. Quando
posso comprar escravos de uma mesma aldeia, ou que conheçam uns aos outros até
os seus dialetos eu evito. Não compro. Esses pequenos cuidados evitam fugas.
Porque fica difícil se comunicarem.
--
Ou planejarem alguma coisa, -- atalhou coronel Aguiar.
--
O meu pai tinha também esse sistema. Mais eu nunca fui carniceiro com nenhum
deles... Esse foi o meu erro. Nunca se deve tratar escravo como gente. Só
prestam pra trabalhar e nada mais.
--
É verdade Almeida – Concordou Aguiar, -- o seu erro foi não agir como todos
agem. Se fosse assim desde o começo...
--
Quando o meu pai morreu amigos. Eu mudei muita coisa aqui. Não quis seguir a
mesma linha, procurei ser brando com todos. Nunca os acorrentei na senzala a
noite, e as fugas eram raras. Esse era o meu trato...
--
Tratar escravos como gente? Nem pense nisso meu amigo. – Falou coronel Afonso.
– Escravo só fica bom quando é amansado como um potro xucro. Ela primeiro
precisa ser domado.
--
Tem razão assim – concordou coronel Aguiar. – se você nos tivesse vendido
quando queríamos na ultima vez em que estivemos aqui... Com certeza teríamos
evitado esse problema.
--
É. Mais já foi – disse coronel Almeida. – Eu até pensei que eles poderiam ser
tratados como gente.
--
Como gente? De onde você tirou essa ideia? – Questionou coronel Aguiar,
ajeitando-se no sofá, e olhando para ele.
--Você
ficou louco Almeida? Escravos só aprendem no chicote ou na chibata. Não tenho
dialogo com nenhum deles. E você tinha isso. Olha só no que deu. – Disse
coronel Afonso alterado. – No meu engenho se um negro foge e o recapturo, eu
deixo ele besuntado de melado e salmoura, depois coloco formigas em cima dele.
E o deixo assim à noite e o dia todo. O resto fica com os insetos. Três dias
depois ele está mansinho, que nem um cordeiro. Só pela força é que aprendem.
Não é verdade Aguiar?
--
Com toda certeza Afonso – Concordou coronel Aguiar balançando a cabeça. – Se um
cativo foge do meu engenho e eu os pego, mando quebrar todos os seus dentes e
desço-lhe a chibata até o miserável desmaiar. Nem negro e nem índio a gente
deve fazer acordo. Fora disso, eu uso os “Anjinhos” E deixo-o no “cepo” por
vários dias. Quando os soltos eles parecem um cordeiro.
E
todos caíram na gargalhada com o humor negro do coronel.
--
Mudando de assunto. Como está o nosso amigo Assis? Falta um “A” com a gente. –
perguntou o coronel Almeida. Terminando de beber um café.
Os
engenhos dos quatros senhores, eram conhecido como engenhos de quatro ases.
Porque todos os seus proprietários tinham os nomes começado pela letra A.
--
Ele está no Recife. Foi comprar umas “peças”.
--
Ah sim. Eu também preciso ir a Olinda. Tenho que comprar umas “peças”. Para substituir
estes miseráveis que fugiram.
--
Bem Almeida. Mais uma vez obrigado pelo almoço. Veja se aparece lá no engenho. A
minha sobrinha veio do Rio de Janeiro e vai ficar um mês com a gente. Quero que
a conheça. – Convidou o coronel Afonso se levantando.
--
Na semana que vem vou para o Recife fazer compras, e aproveito dou uma passada
lá. Está combinado?
--
Combinado então. Vamos ti esperar.
E
eles saíram. Cada um em uma carroça diferente.
O
coronel Almeida desceu os degraus de botas de cano alto resolveu andar até o
milharal, onde estavam os escravos trabalhando no eito, os outros estavam na
moenda, e o restante deles estava na plantação de cana de açúcar.
Tudo
mudou na fazenda, a começar pela rotina do dia a dia. Antes, o trabalho começava com o raiar do
sol e ia até de tarde. Agora antes do romper do sol, os escravos eram
despertados pelo badalar de um sino estridente.
Formavam uma fila no terreiro e eram contados pelo feitor e pelos
ajudantes. Depois da oração os escravos já tinham que está em pé, e só voltavam
quando escurecia. Eles ingeriam um gole de cachaça e era lhes
dado uma xícara de café forte. Essa era a alimentação todas as manhãs. Depois
seguiam para roça ou para o engenho pelo feitor. Às 9 da manhã o almoço era trazido
pelos camaradas do sitio num balaio. O feijão que era cozido com gordura e
depois misturado com farinha de mandioca. O angu depois era distribuído em
folhas de bananeiras e em cuias. Pedaços de carne só aquelas que não serviam
para casa grande eram aproveitadas, que eram misturadas no feijão. Mais a vida
dos que ficaram no engenho ficou mais difícil, insuportável. E cada dia que
passava ficava mais degradante. O Coronel açoitava os escravos por qualquer
motivo. Os mais banais que fossem, era motivo de ser levado ao pelourinho pra
ser torturado por horas até seus carrascos cansarem, ou o cativo desmaiasse ou tivessem
a sorte de morrer.
O
coronel andava entre uma eira ou outra de milho. Ao levantar os olhos viu um
escravo apoiado na enxada descansando.
Ele
tirou o chicote da cintura e virou no ar e estalou nas costas do negro. Que
caiu de dor.
--
Levanta negro imundo. Ou lhe mato com chicotadas.
O
escravo estava levantando-se com dores nas costas, e nem bem se firmou e sentiu
outra chicotada rasgar sua camisa rota. Ele levantou a enxada com dificuldade e
começou a capinar, sangue escorriam de suas costas pelo seu braço até suas mãos
que seguravam a enxada.
O
escravo sentiu uma brisa suave ao seu lado, e parecia que tinha levado a sua
dor, não sentiu mais nada. Nem viu quando o coronel voltou a dar a sua caminhada.
A brisa o envolveu como se fosse uma pessoa lhe curando as feridas em suas
costas.
Uma
lágrima escorreu do rosto do negro caindo na terra.
Estava
escurecendo, e escutou quando o feitor deu um apito para pararem e voltar prá
senzala.
O
Tedros. Era assim que chamavam o escravo que recebera as chicotadas. Andava
devagar, mancava de uma perna por causa dos vergões. Colocou a enxada nas
costas e seguiu devagar.
A
lua começava a surgir por entre as árvores. Corujas começavam a piar, e a
revoada de morcegos tingia a noite de escuro.
“Seria
bom que chovesse”. Ele pensou.
Tedros
gostava da chuva. Ele passou as mãos nos vergões do chicote, e o sangue já
secara no local. Mais não sentia dor nenhuma, era diferente como das outras
vezes. Segurava a sua enxada nos ombros e caminhava trôpego na estrada, em fila
dupla junto dos outros escravos.
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