quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A FLORESTA DE CEDRO - CAPITULO - 5


Capitulo 5

Rafiki era de media estatura, casado com a Saúda. Tinha dois filhos. Estava no quilombo a mais de três anos. O pequeno quilombo tinha apenas seis famílias escondidos no meio da mata. Quase impossível de ser localizado para quem não conhecesse o local. Ficava entre umas montanhas de pedras e um profundo cânion. A passagem para a entrada do quilombo era estreita, o que dificultava ser localizado para alguém que nunca tivesse ido até ali pela primeira vez. Só seria fácil se algum morador levasse a pessoa pela primeira vez. Fora isso...
Rafike e Saúda encontraram o local por acaso, ele fora o primeiro a chegar e depois vieram as outras famílias.
Num dia em que fora pescar encontrou três famílias de escravos escondidas no meio da mata. Tinha mulheres e crianças e homens. Aproveitaram que o seu sinhô tinha ido fazer um tratamento em Olinda e aproveitaram a ocasião ideal para todos fugirem. Rafiki os levou para onde estavam junto com sua esposa e seus dois filhos. O começo fora difícil, mais depois que viera os outros homens tudo ficara mais fácil, construíram casas de madeira e viviam uma boa vida se não confortável... Aceitáveis poderiam dizer assim. No principio teve que lutar com os índios da região, até que os índios os deixaram em paz e viviam em comum acordo.
Viviam das caças, que era muitas na região, da pesca e plantações que faziam. A maior parte das ferramentas conseguira por outras famílias que trouxeram dos engenhos e que conseguiam as escondidas das fazendas.
A sua casa de pau a pique ficava no alto, onde tinha uma visão privilegiada de todo o vale e do quilombo. E na frente de sua casa tinha um terreiro grande onde seus filhos brincavam com liberdade.
Tinha saudade de sua terra, de sua aldeia na África. Mais não podia fazer nada sobre isso. Ficava do outro lado das grandes águas, onde o sol se punha. Mais não reclamava. Pior fora os anos que passara como escravo no engenho, açoitado pelo Sinhô a cada dois dias como diversão. Os cães eram mais bem tratados do que ele. Até que numa noite resolveu fugir, ele e sua esposa. No começo achou que seriam pegos e mortos, mais com o passar dos dias iam cada vez mais pra longe do engenho e no final ficaram sossegados quando encontraram aquele lugar escondido entre as pedras. Na época eram só ele e a sua esposa, o que facilitou a fuga. Depois vieram os seus dois filhos. Que nasceram no quilombo.

-- Toma cuidado Rafiki. Não vá tão longe com o barco. Você não precisa ir caçar distante do quilombo. Temos muita caça aqui perto.
Disse Saúda. Ela ficava sempre aflita quando ele ia caçar.
-- Voltarei pela manhã querida, – respondeu.
Rafike estava armado com um facão, arco e flechas nas costas. Das suas mãos tinha uma lança afiada envenenada com uma ponta de bambu.
Os últimos raios do por do sol despontavam na linha do horizonte. Mas do lado oeste estava mais escuro, com nuvens carregadas. Quando Rafiki se despediu da esposa, seguiu por alguns metros na entrada de pedra do quilombo, e depois se embrenhou na mata.
 Toda semana Rafiki ia caçar capivara, porco do mato, alguma jaguatirica, ou qualquer outro animal que estivesse ao seu alcance e servisse de alimento. Geralmente ia com algum amigo, mais dessa vez, ninguém estava disponível e ele resolveu ir só.
O temor de Rafiki, sempre fora dar de encontro com algum capitão do mato que lhe encontrasse e fosse caçado como um animal. Fora isso, nada lhe dava temor. Nem os índios da região, porque há tantos anos que morava ali no quilombo muitas tribos já os conheciam.

Rafiki depois de andar pela mata uns dez minutos chegou ao rio, foi até uma moita onde guardava uma garité. Entrou colocando as armas no fundo da canoa, e com um remo resolveu subir o rio, sempre era melhor subir vazio do que com caça. De repente começara a chover. Uma chuva fina que depois foi aumentando cada vez mais. Ele ia com a canoa margeando o rio. Foi subindo por mais de uma hora, lento e devagar. E a chuva intermitente caia em suas costas. Já que estava tão longe não ia desistir. Parecia que alguma coisa o levava para frente, como se alguém estivesse dizendo ao seu ouvido parar ele não parar.
-- Não foi uma boa ideia sair hoje, – disse em voz alta. Olhou para o alto e viu que as nuvens pesadas estavam passando. – Não vai demorar prá essa chuva. Menos mal.
Parecia que tinha escutado perto dele uma voz dizendo: -- “Segue em frente”. Não pare!
Ele olhou em volta. Nada, era só água.
-- Agora dei pra eu ouvir coisas? Estou ficando velho, – disse baixinho.
Minutos depois a chuva foi parando, e parando, até parar de vez. Ele amarrou a canoa em uma árvore e entrou na mata, conhecia aquela parte da floresta. Não gostava porque ficava a poucos kilometros da estrada, e era perigoso encontrar algum capitão do mato que estivesse à captura de algum escravo.
Mais aquela voz foi o levara até ali.
Ele desceu da canoa e foi seguindo a pé, só com a lança em punho. Deixando o arco e flecha dentro da igarité.
Fazia tempo que não ia para aquele lado da mata. Todo cuidado era pouco. Quando Rafiki dobrou uma grande Sumauna os seus ouvidos captaram um farfalhar de galhos. Ele tinha ótima audição e isso facilitava a sua caça, e até perigos eminentes. Ficou com a lança em posição de ataque. De repente viu um porco do mato a poucos metros de onde estava. Rafiki levantou a lança devagar e mirou, quando o animal ficou de lado, ele atirou com toda sua força na direção do animal.
A lança cravou perto do pescoço do porco do mato, que caiu num baque surdo, minuto depois o animal parou de tremer quando o veneno entrou em suas veias.
-- Ótimo! – disse num sorriso. – Não vou voltar sem nada.
Foi até o animal e tirou a lança com um puxão. Com um cipó ele amarrou o porco pelas patas. O animal era grande e pesado, mais ele com um esforço colocou em suas costas. Resolveu levar a caça na canoa e depois voltar ou subir mais um pouco o rio. Quando chegou à igarité o rio tinha enchido, a correnteza estava forte por causa da chuva que tinha sido maior, bem distante de onde ele se encontrava.
-- O único jeito é esperar baixar um pouco. – Falou colocando o porco do mato no fundo da canoa. E voltou a sentar-se perto de uma árvore, se protegendo da chuva que agora engrossara.
De repente, escutou bem distante quase imperceptível um barulho de tropel de cavalos que era trazido pelos ventos.
-- Parecem cascos de cavalos... Vou sair daqui agora mesmo. – Disse levantando-se.
Quando estava indo pra canoa um barulho de galhos quebrados lhe chamou a atenção. Parou tentando escutar melhor. Era um barulho ensurdecedor de galhos sendo quebrados e parecia um corpo caindo, trazendo lama e galhos que encontrava pelo caminho.
Rafike resolveu averiguar o que estava ocorrendo. A poucos metros de onde estava viu um corpo de um homem. Ele estava caído, e desacordado, escondido entre as folhagens, misturado com lama e galhos. Era um negro. Com certeza deveria ser um escravo em fuga.  Não sabia como ele tinha ido parar ali perto, e ainda mais desacordado. Viu o barranco alto e supôs que tivesse escorregado quando empreendera a fuga.  Colocou as mãos em seu pescoço e notou que estava vivo, seu corpo estava quente. Deveria ter fugido de algum engenho, e se ele estava fugindo, com certeza estavam na sua captura. Tinha que sair o mais rápido dali.
-- Ainda bem que a noite vai nos ajudar, meu amigo. Você deu sorte de me encontrar por aqui.
Falou Rafiki, limpando as folhas no corpo do escravo.
Tentou levanta-lo e não conseguiu. Depois o arrastou para perto de uma árvore, e bateu de leve em seu rosto, tentando desacorda-lo, mais nada, continuava desmaiado.
-- Ei amigo acorde, – falou balançando os seus braços. Foi até o rio e pegou um pouco de água em uma folha e jogou em seu rosto. Kodiambo despertou do desmaio.
-- Onde estou? Quem é você? – Perguntou tentando ficar em pé com dificuldade. E caindo nas folhas secas.
-- Calma! Sou amigo. Encontrei-lhe aqui.
-- Onde está o capitão do mato?
-- Não tem ninguém aqui... Ainda. Mais com certeza vai nos encontrar se não sairmos daqui o mais rápido possível. Para nossa sorte é noite ainda, e está bem escuro.
-- Tem razão. Muito obrigado... – Ele caiu sentado outra vez. –... Não estou tendo força... Em minhas pernas.
-- Vamos. Eu ti ajudo. – Rafiki colocou um braço em volta de seu ombro e foram caminhando devagar para a igarité.
De repente eles escutaram vozes trazidas pelo vendo, não estavam longe.
-- Temos que sair daqui amigo – Falou Kodiambo.
-- Sim. Vamos.
Meia hora depois Rafiki alcançou o local que deixara a igarité escondida na vegetação, o ponto de referencia era uma grande árvore que se estendia com seus galhos até a metade do rio, logo depois vinha uma cachoeira, se alguém se aventurasse pro ali e não a percebesse, só a veria quando estivesse já em cima e era sem retorno. Com mais de 15 metros de altura, se alguma canoa caísse ali, seus ocupantes quebrariam seus pescoços. Ele puxou a canoa para margem. E colocou Kodiambo em uma ponta, e a caça no meio da canoa. Depois pulou dentro, e com o remo deixou a correnteza os levar.
-- Ei! Olá amigo! – gritou Rafiki. Amigavelmente.
Kodiambo voltou a desmaiar.

Uma hora depois estava aportando perto de umas árvores perto do quilombo. Rafiki jogou água em seu rosto e Kodiambo mexeu com os braços, depois, balançou a cabeça de um lado para outro. Estava ainda meio zonzo.
-- Até que enfim você acordou amigo. – Disse Rafiki com um sorriso.
Kodiambo retribuiu o sorriso.
Olhou em volta e para o Rafiki e disse:
-- Muito obrigado por ter me salvo.
-- Não tem problema irmão. Sei que você faria o mesmo por mim.
-- Fiquei muito tempo desmaiado? – perguntou passando a mão na cabeça onde tinha um calombo.
-- Por mais tempo do que necessário. Mais agora você estará salvo.
-- Onde estou? Perguntou Kodiambo olhando em volta. Não conseguira ver nada, só água do rio e muitas árvores.
-- Daqui a pouco estaremos em nossa pequena aldeia.
-- Quilombo dos Palmares?
-- Não. Não existe apenas o quilombo dos Palmares. Existem muitos outros com nossos irmãos que estão escondem quando fogem dos engenhos. Qual é o seu nome?
-- Kodiambo. E você?
-- Rafiki.
-- A minha cabeça, dói muito.
Depois que Rafiki viu melhor a cabeça do Kodiambo.
-- Você ficou com um corte feio, perdeu muito sangue. Foi por isso que desmaiou. Fique aqui. Vou chamar uns amigos do quilombo e vai nos ajudar.
-- É seguro?
-- Com toda certeza. Volto já.
Não demorou muito e Rafiki voltou com dois outros negros altos e fortes.
-- Olá. Tudo bem?
-- Sim... Mais ou menos. Um pouco quebrado.
-- Vamos lá. Ajudo-lhe a levantar.
Minutos depois estava deitado em uma esteira na casa do Rafiki, sendo cuidado pela Saúda.
-- Rafiki. Quero lhe agradecer com todo coração por ter me salvo.
-- Não se preocupe Kodiambo. Aqui você vai ter uma nova vida em liberdade. Não tem nada a agradecer. Somos todos irmãos.
Um vento balançou uma esteira que era usada como cortina, feita pelas mãos ágeis de Saúda. Parecia como se algumas pessoas tivessem passado por ali naquele momento.
O sol começara a nascer.

                                                                     ***

O coronel parou o tropel de cavalos quando viu o burro.
-- Ele se embrenhou por aqui. Procurem por ele em todos os lugares. Agora com o sol vai ficar mais fácil encontrar o boçal.
Não demorou muito e um capitão do mato gritou:
-- Achei por onde ele passou. – disse exultante.
Todos foram ter com ele.
Viram por onde Kodiambo escorregou e caiu pelo barranco.
-- Vejam! – mostrou o capitão do mato.
-- Mais tem vestígios de só um escravo coronel. – Falou Tonho, olhando com mais atenção.
-- Se pegarmos um, pegaremos os outros.
Com a luz do sol já alto, descobriram por onde Kodiambo escorregou na mata.
Seguiram devagar pela mata, por onde ele desceu.
-- Olhe. Aqui ele parou... Ei tem mais uma pessoa. – o capitão do mato mostrou outras pisadas.
-- Serão os outros?
-- Não... Eram apenas dois. – Falou um dos caçadores.
Seguiram todos os rastros e terminava na beira do rio, que tinha aumentado a correnteza por causa da chuva.
-- Acho que tiveram ajuda de alguém. Olhem os rastros, foram por aqui.
-- Subiram ou desceram o rio?
-- Impossível dizer coronel. – Falou Tonho.
-- É. Podem até ter atravessado para o outro lado.
-- O perdemos!
-- Boçal desgraçado! Vamos voltar pra fazenda, e depois vocês, -- apontou dois capitães do mato. -- Quero que recomecem a caçada. Agora com o dia vai facilitar.
-- Nós vamos encontrá-los coronel.

Uma semana continuavam procurando.
 Duas semanas.
 Três semanas.
 Um mês e nada. Até que por fim, desistiram de procurar os escravos. Mesmo o coronel tendo dobrado o valor pela captura deles. Todas as buscas seguiram-se infrutíferas.
O coronel Almeida ficou conformado, mais não admitiu a perda de quatro escravos, fortes novos... Era uma perda de valores consideráveis. Tinha pagado um preço alto por eles. Tudo bem que vieram com a compra da fazenda do coronel José. Mais não fora fácil. Tudo isso o fez ficar mais violento e irascível com todos da casa grande. Só andava com um chicote dobrado em sua cintura. As cativas que trabalhavam dentro da casa grande sofriam a duras penas, principalmente quando ele ficava alterado por ter bebido aguardente.
O coronel estava sóbrio. Sentado na varanda com dois amigos que sempre o vinha visitar, principalmente quando souberam do ocorrido.
-- Aguiar, você não imagina como os desgraçados que fugiram foram longe. Foram ousados, ao ponto de até entrarem em minha dispensa, levarem meus mantimentos. Mataram um dos empregados e sabe-se lá mais o que levaram. Sem comentar o roubo da carroça. Foram na direção da sua fazenda.
-- Não passaram por lá. Quando eu recebi o seu aviso, eu dei um alarma e os meus empregados revistaram toda região... E nada.
-- Eu sei Aguiar. Mais, não sei em que buraco eles se enfiaram. A escrava que fugiu era muito esperta estavam com eles. Tenho absoluta certeza de que foi ela que arquitetou tudo isso.
-- Foi aquela que você mandou dar chibatadas quando estivemos aqui?
-- A letrada?
-- Ela mesma.
-- Eu queria comprar eles se lembra? – disse coronel Afonso.
-- Isso não importa agora Afonso. Ainda posso encontrar eles.
O coronel tinha certeza de que a Faizah estava por trás de tudo aquilo.
-- Como conseguiram fazer tudo isso? Os escravos são boçais. Não tem estudo são ignorantes... – Ia falando Aguiar.
-- Mais não esses. – Falou apontando um dedo para o coronel Afonso. -- A negra tinha estudo sim. Ela era especial. Alfabetizada e inteligente. Ela já estudava no país dela. Essa escrava dava estudos até para os escravos, sem contar que ajudavam nas lições de meus dois sobrinhos.
O coronel Aguiar arqueou as sobrancelhas, enquanto acendia um charuto.
-- Sério isso? – perguntou sem acreditar.
-- Sim com toda certeza meus amigos. Ela veio junto com o seu filho, e mais uns escravos quando adquirimos a fazenda do coronel José. O outro escravo era bem esperto, o tal de Mongo estava aqui desde a época de meu pai.
-- Eu lembro-me bem disso.
-- Mais... Essa cativa... Ela era livre no país dela? – Perguntou Afonso curioso:
-- Não sei. Só sei dizer de que ela era uma escrava diferente. – Falou pensativo.
-- Isso é um caso raríssimo meu amigo. – Falou o coronel Afonso Ribeiro. – As coisas estão mudando. Imagine você Aguiar. Um escravo letrado. Nunca pensei nessa hipótese algum dia de minha vida, que viesse a ocorrer.
-- Sabe o que eu faço com os meus escravos Almeida. Uma coisa que eu não vi aqui com os seus. Cada escravo eu faço a minha marca em suas coxas, se fugirem para cidade eu os reconheço. Evito mesmo.  Quando posso comprar escravos de uma mesma aldeia, ou que conheçam uns aos outros até os seus dialetos eu evito. Não compro. Esses pequenos cuidados evitam fugas. Porque fica difícil se comunicarem.
-- Ou planejarem alguma coisa, -- atalhou coronel Aguiar.
-- O meu pai tinha também esse sistema. Mais eu nunca fui carniceiro com nenhum deles... Esse foi o meu erro. Nunca se deve tratar escravo como gente. Só prestam pra trabalhar e nada mais.
-- É verdade Almeida – Concordou Aguiar, -- o seu erro foi não agir como todos agem. Se fosse assim desde o começo...
-- Quando o meu pai morreu amigos. Eu mudei muita coisa aqui. Não quis seguir a mesma linha, procurei ser brando com todos. Nunca os acorrentei na senzala a noite, e as fugas eram raras. Esse era o meu trato...
-- Tratar escravos como gente? Nem pense nisso meu amigo. – Falou coronel Afonso. – Escravo só fica bom quando é amansado como um potro xucro. Ela primeiro precisa ser domado.
-- Tem razão assim – concordou coronel Aguiar. – se você nos tivesse vendido quando queríamos na ultima vez em que estivemos aqui... Com certeza teríamos evitado esse problema.
-- É. Mais já foi – disse coronel Almeida. – Eu até pensei que eles poderiam ser tratados como gente.
-- Como gente? De onde você tirou essa ideia? – Questionou coronel Aguiar, ajeitando-se no sofá, e olhando para ele.
--Você ficou louco Almeida? Escravos só aprendem no chicote ou na chibata. Não tenho dialogo com nenhum deles. E você tinha isso. Olha só no que deu. – Disse coronel Afonso alterado. – No meu engenho se um negro foge e o recapturo, eu deixo ele besuntado de melado e salmoura, depois coloco formigas em cima dele. E o deixo assim à noite e o dia todo. O resto fica com os insetos. Três dias depois ele está mansinho, que nem um cordeiro. Só pela força é que aprendem. Não é verdade Aguiar?
-- Com toda certeza Afonso – Concordou coronel Aguiar balançando a cabeça. – Se um cativo foge do meu engenho e eu os pego, mando quebrar todos os seus dentes e desço-lhe a chibata até o miserável desmaiar. Nem negro e nem índio a gente deve fazer acordo. Fora disso, eu uso os “Anjinhos” E deixo-o no “cepo” por vários dias. Quando os soltos eles parecem um cordeiro.
E todos caíram na gargalhada com o humor negro do coronel.
-- Mudando de assunto. Como está o nosso amigo Assis? Falta um “A” com a gente. – perguntou o coronel Almeida. Terminando de beber um café.
Os engenhos dos quatros senhores, eram conhecido como engenhos de quatro ases. Porque todos os seus proprietários tinham os nomes começado pela letra A.
-- Ele está no Recife. Foi comprar umas “peças”.
-- Ah sim. Eu também preciso ir a Olinda. Tenho que comprar umas “peças”. Para substituir estes miseráveis que fugiram.
-- Bem Almeida. Mais uma vez obrigado pelo almoço. Veja se aparece lá no engenho. A minha sobrinha veio do Rio de Janeiro e vai ficar um mês com a gente. Quero que a conheça. – Convidou o coronel Afonso se levantando.
-- Na semana que vem vou para o Recife fazer compras, e aproveito dou uma passada lá. Está combinado?
-- Combinado então. Vamos ti esperar.
E eles saíram. Cada um em uma carroça diferente.

O coronel Almeida desceu os degraus de botas de cano alto resolveu andar até o milharal, onde estavam os escravos trabalhando no eito, os outros estavam na moenda, e o restante deles estava na plantação de cana de açúcar.

Tudo mudou na fazenda, a começar pela rotina do dia a dia.   Antes, o trabalho começava com o raiar do sol e ia até de tarde. Agora antes do romper do sol, os escravos eram despertados pelo badalar de um sino estridente.  Formavam uma fila no terreiro e eram contados pelo feitor e pelos ajudantes. Depois da oração os escravos já tinham que está em pé, e só voltavam quando escurecia.   Eles ingeriam um gole de cachaça e era lhes dado uma xícara de café forte. Essa era a alimentação todas as manhãs. Depois seguiam para roça ou para o engenho pelo feitor. Às 9 da manhã o almoço era trazido pelos camaradas do sitio num balaio. O feijão que era cozido com gordura e depois misturado com farinha de mandioca. O angu depois era distribuído em folhas de bananeiras e em cuias. Pedaços de carne só aquelas que não serviam para casa grande eram aproveitadas, que eram misturadas no feijão. Mais a vida dos que ficaram no engenho ficou mais difícil, insuportável. E cada dia que passava ficava mais degradante. O Coronel açoitava os escravos por qualquer motivo. Os mais banais que fossem, era motivo de ser levado ao pelourinho pra ser torturado por horas até seus carrascos cansarem, ou o cativo desmaiasse ou tivessem a sorte de morrer.
O coronel andava entre uma eira ou outra de milho. Ao levantar os olhos viu um escravo apoiado na enxada descansando.
Ele tirou o chicote da cintura e virou no ar e estalou nas costas do negro. Que caiu de dor.
-- Levanta negro imundo. Ou lhe mato com chicotadas.
O escravo estava levantando-se com dores nas costas, e nem bem se firmou e sentiu outra chicotada rasgar sua camisa rota. Ele levantou a enxada com dificuldade e começou a capinar, sangue escorriam de suas costas pelo seu braço até suas mãos que seguravam a enxada.
O escravo sentiu uma brisa suave ao seu lado, e parecia que tinha levado a sua dor, não sentiu mais nada. Nem viu quando o coronel voltou a dar a sua caminhada. A brisa o envolveu como se fosse uma pessoa lhe curando as feridas em suas costas.
Uma lágrima escorreu do rosto do negro caindo na terra.
Estava escurecendo, e escutou quando o feitor deu um apito para pararem e voltar prá senzala.
O Tedros. Era assim que chamavam o escravo que recebera as chicotadas. Andava devagar, mancava de uma perna por causa dos vergões. Colocou a enxada nas costas e seguiu devagar.
A lua começava a surgir por entre as árvores. Corujas começavam a piar, e a revoada de morcegos tingia a noite de escuro.
“Seria bom que chovesse”. Ele pensou.

Tedros gostava da chuva. Ele passou as mãos nos vergões do chicote, e o sangue já secara no local. Mais não sentia dor nenhuma, era diferente como das outras vezes. Segurava a sua enxada nos ombros e caminhava trôpego na estrada, em fila dupla junto dos outros escravos.

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